Por Clemente Ganz Lúcio - O salário mínimo (SM) volta a compor estratégias de desenvolvimento econômico e socioambiental sustentáveis e transformadoras de uma realidade de desigualdades, pobreza e precarização do mundo do trabalho, movimento reforçado para o enfretamento da crise sanitária. A União Europeia toma iniciativas importantes para o estabelecimento de políticas de promoção e valorização do SM em toda a região e a Espanha implementa iniciativas nesse sentido. Na contramão, o Brasil destruiu a sua política virtuosa de valorização do SM.
Instâncias de governança da União Europeia tratam da elaboração e implementação de diretrizes e regras para o SM na região. Recentemente (25/11/21) o Parlamento Europeu aprovou, por ampla maioria[1], diretrizes propostas pela Comissão Parlamentar do Emprego e dos Assuntos Sociais para assegurar aos trabalhadores um SM justo e adequado. Essa deliberação autoriza o Parlamento a iniciar tratativas com o Conselho (representação dos 27 governos nacionais) para dar forma final à legislação que regulará a política de SM.
Entre as diretrizes aprovadas pelo Parlamento destacam-se: o SM deve promover uma política de proteção da base salarial, assegurando um nível de vida decente aos trabalhadores e suas famílias; valorização da negociação coletiva para que fique garantida a proteção para no mínimo 80% dos trabalhadores, com autonomia sindical e liberdade de filiação; promoção de políticas de manutenção e valorização anual do SM para que atinja 60% do salário médio bruto, entre várias outras diretrizes[2].
As fundamentações que justificam essa iniciativa mostram que todos os 27 países da União têm legislação em relação ao SM, sendo 20 com valor definido na lei e, complementarmente, nas negociações coletivas e em nos outros 7 países a regulação é definida em negociação coletiva. O diagnóstico evidencia que a remuneração mínima não consegue cobrir o orçamento familiar e o custo de vida de 7 entre cada 10 trabalhadores que recebem SM na região. Os problemas das desigualdades salariais foram ressaltados na crise sanitária e evidenciaram a necessidade de políticas para promover um SM decente. O intenso e arriscado combate ao vírus revelou que muitos daqueles que estiveram à frente desse trabalho recebem SM (cuidadores, trabalhadores da saúde, nas creches, na limpeza, entre outros). Cerca de 60% daqueles que recebem SM são mulheres.[3]
A Espanha tem atuado para elevar o valor do SM em consonância com as diretrizes do governo espanhol e da União Europeia. Um importante passo é o acordo celebrado pelo governo (coalização do PSOE e Unidos Podemos) e pelas Centrais Sindicais CCOO e UGT, no dia 08/02, e que será aprovado pelo Conselho de Ministros no dia 22 próximo.
O SM na Espanha passará a ser de 1.000 euros (14.000 euros anuais), pagos em 14 parcelas durante o ano e retroativo a janeiro. Desde 2016, o aumento real acumulado é de 39%, já descontada a inflação.
No ano passado as Centrais Sindicais firmaram um Acordo Nacional com o setor patronal para que as Convenções Coletivas naquele ano regulassem um piso salarial de no mínimo 1.000 euros pagos em 14 parcelas. Isso garantiria aos trabalhadores assalariados um patamar de remuneração igual.
Agora, o governo e as Centrais Sindicais celebram um acordo que estende para todos o mesmo direito, ampliando a proteção para cerca de 1,8 milhão de trabalhadores, na grande maioria mulheres e jovens e inseridos no setor de serviços e no meio rural.
Esse acordo, materializa o compromisso do governo de elevar o SM para uma base equivalente a 60% do salário médio da economia espanhola. Segundo o estudo do comitê de especialistas que analisou o assunto, para atingir essa meta o SM na Espanha precisa chegar a 1.050 euros.
Destaque-se ainda que o acordo de aumentar o SM para 1.000 euros está em consonância com as diretrizes na União Europeia para a política de crescimento da base salarial nos 27 países da região.
Esse novo acordo faz parte das negociações que buscam medidas e políticas que superem o profundo desequilíbrio do mercado de trabalho espanhol em relação aos demais aos países da União Europeia, situação que arrasta uma baixa produtividade, alta rotatividade da mão de obra, precarização e desemprego. Os contratos temporários pressionam os salários e as condições de trabalho, favorecendo a desvalorização salarial que deteriora o padrão de vida e enfraquece a demanda interna e, portanto, a capacidade de crescimento econômico. Trata-se de romper com um processo de incremento da produtividade espúria que busca competitividade através da redução de salários e da precarização das condições de trabalho.
O Brasil implementou uma política de valorização do SM a partir de 2004 que foi fruto das negociações entre o Governo Lula e as Centrais Sindicais. Esses acordos foram materializados na Lei 12.328/2011, renovada e em vigor até 2018. O governo Bolsonaro extinguiu a política de valorização do SM.
Desde 2002 a política de valorização garantiu um aumento real de mais de 78%[4], já descontada a inflação. Atualmente o valor do SM é de R$ 1.212,00, dos quais R$ 533,80[5] correspondem ao aumento real, o que incrementa anualmente em mais de 390 bilhões a massa de rendimentos da economia.
A agenda da política de valorização do SM recoloca questões fundamentais, o combate às desigualdades, o crescimento da base salarial e a sustentação da demanda pelo poder de compra das famílias. Promovê-la por meio do diálogo social e da negociação coletiva é um princípio fundamental, deve-se buscar uma distribuição mais justa do incremento da produtividade, da renda e da riqueza gerada pelo trabalho de todos.
Clemente Ganz Lúcio, sociólogo, assessor do Fórum das Centrais Sindicais e ex-diretor técnico do DIEESE. (2clemente@uol.com.br).
[1] Foram 443 votos a favor, 192 contra e 58 abstenções.
[2] https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-9-2021-0325_EN.html#title1
[4] DIEESE, Nota Técnica 265 de dezembro de 2021, https://www.dieese.org.br/notatecnica/2021/notaTec265SalarioMinimo.html
[5] Sem o aumento real de 78,7% o valor do SM seria de R$ 678,00.